Pra ler: Simples Assim!

sexta-feira, outubro 09, 2015

Oi gente!!!
Hoje venho falar para vocês do novo livro de crônicas da Martha Medeiros, o Simples Assim. Terminei a leitura essa semana e posso dizer: o livro entrou no meu hall de favoritos! 
Com crônicas descontraídas, mas que muitas vezes nos fazem refletir, Martha fala sobre a vida contemporânea, Londres, lembranças da adolescência, filmes e literatura!


Selecionei minhas três crônicas favoritas do livro e alguns trechos de outras crônicas para mostrar para vocês! Confiram:

De onde vem a nossa dor

A dor nas costas vem das costas, a dor de estômago vem do estômago, a dor de cabeça vem da cabeça. E sua dor existencial, vem de onde? 

Ela vem da história que você meio que viveu, meio que criou – é sabido que contamos para nós mesmos uma narrativa que nem sempre bate com os fatos. Nossa memória da infância está repleta de fantasias e leituras distorcidas da realidade. Mesmo assim, é a história que decidimos oficializar e passar adiante, e dela resultam muitas de nossas fraturas emocionais. 

Nossa dor existencial vem também do quanto levamos a sério o que dizem os outros, o que fazem os outros e o que pensam os outros – uma insanidade, pois quem é que realmente sabe o que pensam os outros? Pensamos no lugar deles e sofremos por esse pensamento imaginado. Nossa dor existencial vem dessa transferência descabida. 

Nossa dor existencial, além disso, vem de modelos projetados como ideais, a saber: é melhor ser vegetariano do que comer carne, fazer faculdade de medicina do que hotelaria, namorar do que ficar sozinho, ter filhos do que não ter, e isso tudo vai gerando uma briga interna entre quem você é e entre quem gostariam que você fosse, a ponto de confundi-lo: existe mesmo uma lógica nas escolhas? 

Como se não bastasse, nossa dor existencial vem do que não é escolha, mas destino: quem é muito baixinho, ou tem cabelo muito crespo, ou é pobre de amargar, ou tem dificuldade de perder peso vai transformar isso em uma pergunta irrespondível – por que eu? – e a falta de resposta será uma cruz a ser carregada. 

Nossa dor existencial vem da quantidade de nãos que recebemos, esquecidos que somos de que o “não” é apenas isso, uma proposta negada, um beijo recusado, um adiamento dos nossos sonhos, uma conscientização das coisas como elas são, sem a obrigatoriedade de virarem traumas ou convites à desistência. 

Nossa dor existencial vem do bebê bem tratado que fomos, nada nos faltava, éramos amamentados, tínhamos as fraldas trocadas, ninavam nosso sono, até que um dia crescemos e o mundo nos comunicou: agora se vire, meu bem. Injustiça fazer isso com uma criança – alguém aí por acaso deixou totalmente de ser criança? 

Nossa dor existencial vem da incompreensão dos absurdos, da nossa revolta pelos menos favorecidos, da inveja pelos mais favorecidos, da raiva por não atenderem nossos chamados, por cada amanhecer cheio de promessas, pela precariedade das nossas melhores intenções e pela invisibilidade que nos outorgamos: por que nunca ninguém nos enxerga como realmente somos? 

Dor de dente vem do dente, dor no joelho vem do joelho, dor nas juntas vem das juntas. Nossa dor existencial vem da existência, que nenhum plano de saúde cobre, de tão difícil que é encontrar seu foco e sua cura.



Morri

É uma das gírias do momento: "Morri" (mas dizem que já começa a cair em desuso, fenecendo ela própria).

"Morremos" quando ficamos impactados por algo, quando um acontecimento nos tira o ar, quando não acreditamos no que estamos vendo, ou seja, quando parece que fomos para o céu. Sem fatalismo, é apenas uma gracinha.
Tenho simpatia pelo uso corriqueiro e desestressado de tudo que invoque a palavra morte. Na mesma proporção, sinto um certo desprezo pela reverência aterrorizante que prestam a ela. Qual o problema, morrer?
Não tenho medo da morte porque já morri muito.
Não apenas em momentos quando cabia o uso da gíria (durante minha música preferida num show, quando me deparei com uma praia paradisíaca, quando ouvi algo que eu esperava escutar havia tempo), mas, muitas vezes, no sentido fúnebre mesmo: morri todas as vezes em que me frustrei, morri quando deixei a infância, morri quando deixei a puberdade, morri quando passei por finais de amor, morri quando passei adiante apartamentos em que vivi, morri por todas as minhas desistências, morri diante de cada tarefa terminada, morri quando machuquei algumas pessoas sem querer, morri nas inúmeras vezes em que fui machucada, morri tanto por ferimentos leves quanto por balaços à queima-roupa.
E morri em solidariedade à morte dos outros, morri diante de tragédias que não foram comigo que aconteceram, morri pelas estatísticas, morri de vergonha alheia, morri pelo que passou raspando. Tudo o que acontece de triste a qualquer outro ser humano, passa rente a nós.
Morri por excesso de sensibilidade e às vezes por um rigor desmedido, mesmo que, em termos genéricos, procure ver alguma graça em tudo.
Agorinha mesmo, 10 minutos atrás, morri um pouquinho. Coisa de nada. Já voltei.
Sem morte, não há vida. Quem não morre, não renasce, não volta mais atento, não volta mais amoroso, não volta mais experiente, não volta. Vira cadáver já na primeira morte, que pode ter acontecido aos cinco anos, aos 12, aos 16: quando você morreu pela primeira vez?
Minha relação amistosa com a morte vem justamente do exagero de amor que tenho pela vida, pela profunda capacidade de regeneração que me trouxe até aqui, habilitada para extrair alegria das mínimas coisas e êxtase das maiores. É por já ter morrido muito que vibro quando o telefone toca, quando o dia amanhece com sol, quando vejo os amigos, quando pratico exercícios, quando aprendo uma atividade nova, quando acerto, quando sorrio, quando comemoro.
Não é só a iminência de uma morte definitiva que nos faz valorizar cada dia respirado, mas também as sucessivas mortes pontuais, aquelas que nos dão o passe para finalizar a próxima jogada com mais êxito.
Morreu? Nasce um novo começo.



Feliz aniversário
Ela sabe que é um pensamento improdutivo, mas mesmo assim se preocupa com a passagem do tempo, parece uma menina assustada diante do acúmulo de números que sua idade vem ganhando. Não entende onde foram parar seus 16 anos, seus 21, seus 29, seus 35, seus 42. 

Ora, onde eles podem estar? Todos ainda dentro dela. 

Ao assoprar as velas, a sensação é de que o passado também se apaga e um presente totalmente novo é inaugurado. Sendo virgem da nova idade, é como se estivesse nascendo naquele específico dia com pequenas rugas e manchas surgidas subitamente, e não trazidas do antes. Como se estivesse vindo ao mundo na manhã do festejado dia com os quilos, as dores e os limites de um adulto recém-nascido e com uma expectativa de vida mais curta, sem registro algum do tempo transcorrido até ali, aquele tempo que sumiu. 

Sumiu nada. 

Você tem seus 16 anos para sempre. Seus 21. Seus 25 e todos os outros números que contabilizou a cada aniversário: você tem oito anos, você tem 19, você tem 37. Você só ainda não tem o que virá, mas os anos que viveu ainda estão sendo vividos, são eles que, somados, lhe transformaram no que é hoje. Sua idade atual não é uma estreia, você não nasceu com esses anos todos que sua carteira de identidade diz que você tem. Só o dia do seu nascimento foi uma estreia. Desde então, você nunca mais saiu de cena. Ainda estão em curso seus primeiros minutos de vida. 

Você ainda sente o nervosismo das primeiras vezes, as mesmas dúvidas diante das escolhas, o afeto por pessoas que foram importantes lá atrás, a adrenalina dos riscos corridos. Nada disso evaporou. O ontem segue agindo sobre você, segue interferindo na sua trajetória. É a mesma viagem, a mesma navegação. O meio de transporte é seu corpo, e ele ainda não atracou. 

Mas e todo aquele peso extra que você um dia jogou ao mar? Não muda nada. A viajante que durante o percurso vem se desfazendo de algumas coisas continua sendo você. Aquele instante aos 19 anos ou aos 26 em que você cruzou o olhar com alguém que modificaria seu futuro continua acontecendo, o ponteiro continua se mexendo, o tempo não parou. Desiludem-se os amantes apaixonados que, quando se instalam num amor maduro, não encontram mais a mágica anterior que fazia o tempo parar, mas não se deve ser tão fatalista, você não tem 18 anos, ou 37, ou 53. Você tem 18, 37 e 53. No que tange o tempo vivido, não há “ou”. São várias idades contidas numa frequência cardíaca ininterrupta. 

Você chegou a uma idade gloriosa, a idade de entender que não existem perdas, só ganhos. Não existe envelhecimento, e sim desenvolvimento constante. O tempo não passa, ele está sempre conosco. O novo não ficou para trás, ao contrário, o novo está adiante: na vida que ainda está por vir.



E aí, gostaram da indicação? Já leram esse ou algum outro livro da Martha? Me contem!!! Bjoss

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2 comentários

  1. Adorei que você tenha colocado os trechos! Só dá mais curiosidade para ler!
    Beijos!!
    www.amandahillerman.wordpress.com

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  2. Eu só li um livro dela e confesso que não curti muito, mas achei bem legal a dica, miih!


    Beijos
    Brilho de Aluguel

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